A passagem da seleção alemã pela praia de Santo André
Sentadas na copa de uma amendoeira, três garotas conversam. O
estuário do rio reflete as luzes de uma cidadezinha, a lua cheia
clareia o céu e põe as nuvens em relevo. Uma lambada em batida
eletrônica, pontuada por gritos animados, compõe a paisagem sonora.
Localização de Santo André
Santo André, vilarejo
praiano do sul da Bahia. As meninas são paulistas, de uma família
que janta em um restaurante italiano à beira da foz do João de
Tiba. Ao fundo, Santa Cruz Cabrália, uma das primeiras formações urbanas do Brasil. A
música vem do bar Cabana Nativa, onde Viviana Romero, uma argentina
loira e atarracada, risada forte e roupa justa, é homenageada com um
bota-fora surpresa naquela noite de 12 de julho.
Santa Cruz Cabrália Disputa com os municípios de Porto Seguro e Prado a primazia de ter sido o local de chegada dos portugueses ao Brasil em 1500.
Era véspera da final da Copa do Mundo de Futebol. Viviana serviu como governanta do Campo Bahia, o resort que acolheu a seleção alemã. A festa havia sido organizada pelas moças que até então constituíam seu pequeno batalhão de camareiras. O entusiasmo na pista não parecia combinar com aquele dia de demissões em massa. Do total de 80 funcionários que atenderam ao time alemão durante um mês, menos de vinte mantiveram o emprego. Das 23 camareiras, apenas seis vão continuar.
Onde ficou a Alemanha?
A Alemanha foi a única das 32
seleções que disputaram o torneio a não se hospedar em um
hotel sugerido pela Fifa.
Quando a decisão foi anunciada, a sete meses da disputa, o Campo
Bahia era uma vaga promessa. Oliver Bierhoff, gerente da equipe teutônica, justificou a opção
mencionando “logística” e “infraestrutura”, o que é
curioso, uma vez que o acesso ao vilarejo se dá por balsa. Também
ressaltou que o local, na mesma zona climática dos estádios dos
três primeiros jogos
(Salvador, Fortaleza e Recife), poderia favorecer a adaptação dos
atletas.
A escolha gerou polêmica e desinformação. Na imprensa brasileira,
prevaleceu a versão de que a Confederação
Alemã – a DFB – estaria construindo o hotel. Na verdade,
é um empreendimento privado, da Acquamarina Santo André e da RLL
Transporte e Logística, que tem como investidores os alemães
Christian Hirmer, empresário
de moda, Kay Bakemeier,
ligado à seguradora Allianz,
e Tobias Junge, um
engenheiro do ramo da mineração que mora no país e foi o gestor da
obra.
Em uma conversa por telefone no dia seguinte à final
da Copa, Junge, ainda de ressaca pela vitória, contou que o
projeto do condomínio data de 2009. Em janeiro de 2013, Hirmer
jantou com Bierhoff e apresentou a ideia de receber a seleção em
Santo André. Em abril, Bierhoff veio conhecer o vilarejo. O namoro
prosseguiu com outras duas visitas, até que o sorteio da Copa, em
dezembro, pôs a Alemanha na chave do Nordeste e selou o casamento.
Locutores esportivos chegaram a dizer que os alemães se hospedavam
em “uma vila de 800 pescadores”. A imagem de oito centenas de
pessoas que não fazem mais do que empunhar uma vara não deixa de
ser simpática, mas Santo André nunca foi uma vila de pescadores
típica. Sua formação remonta a uma fazenda do início do século
passado, com um grande armazém e um porto, cujas atividades eram
baseadas na economia extrativista. O povoado que se consolidou às
margens de um córrego vizinho à fazenda vivia de plantação,
pesca, corte de madeira e colheita de piaçava. Na década de 70,
Porto Seguro e as praias do
entorno foram descobertas pelos hippies. Arraial
d’Ajuda, Praia do Espelho
e Trancoso marcaram uma
geração. O boom turístico que se seguiu foi avassalador e
transformou toda a região. Santo André ficou preservada, graças à
dificuldade de se cruzar o rio João de Tiba.
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